quinta-feira, 16 de abril de 2020

Santa Bernadette Soubirous, a santinha "que não servia para nada"


"Vitoriosa contra todas as heresias". Era essa a expressão que Pio IX tinha em mente quando, a 8 de dezembro de 1854, numa Basílica de São Pedro ornamentada como há tempos não se via, proclamou solenemente o dogma da Imaculada Conceição. Com esse gesto, o Papa não queria somente exaltar o sublime privilégio da Mãe de Deus, pelo qual ela "foi preservada imune de toda mancha de pecado original", mas fazer com que os corações dos católicos se voltassem àquela cuja intercessão se mostrava urgentemente necessária. A época era de grande confusão. E a Igreja se via assaltada por todos os lados. No plano político, os revolucionários atacavam os direitos da Santa Sé sem qualquer pudor ou decência, buscando ora excluí-la da vida pública, ora domesticá-la. No plano religioso, por sua vez, as coisas não eram melhores. Heresias e ameaças de cismas brotavam como erva daninha sobre os extensos jardins da Igreja, perturbando a fé de inúmeros católicos. A solução, pensava o Pontífice, não podia ser outra senão recorrer à Auxiliadora dos cristãos.

Pio IX era um profundo devoto da Santíssima Virgem. Conta-se que no dia da proclamação do Dogma, feita na presença de 200 bispos, 54 cardeais e uma multidão de fiéis, o Santo Padre teve de interromper a leitura da bula Ineffabilis Deus por três vezes, devido à sua enorme comoção. Um raio de luz teria iluminado sua fronte, fazendo-o contemplar a beleza celestial da Virgem. Quase morreu de emoção. "O canhão do Castelo de Sant'Angelo troou, e todos os sinos de Roma repicaram no momento em que o papa foi depor uma coroa de ouro na cabeça de uma imagem de Nossa Senhora na Piazza di Spagna", narra o sempre excelente Daniel-Rops. Tratou-se de um dia de grande glória para a Igreja, uma manifestação contundente de fé e esperança em Deus que não tardaria em receber a resposta do Céu, resposta que viria quatro anos mais tarde, numa pobre gruta da cidade de Lourdes, na França, conhecida como Massabielle.

Naquela época, Lourdes era apenas um vilarejo francês, situado na região dos Médios Pirineus. Lá vivia com sua família a pequena Bernadette Soubirous, a primogênita de três filhos. Seus pais, Francisco Soubirous e Luísa Castèrot, sofriam gravemente para alimentá-los. Depois de uma série de empreendimentos fracassados, os Soubirous encontravam-se arruinados financeiramente. Para não morarem na rua, o casal teve de levar os filhos para uma antiga prisão abandonada, a única coisa que lhes restara como opção. Mas Bernadette não era somente pobre de bens materiais. A saúde também lhe faltava. Quando nasceu, foi acometida por uma cólera terrível que quase a matou. Mais tarde, já com dez anos de idade, contraiu asma devido às péssimas condições de vida às quais estava submetida. E que dizer dos estudos então? Mal sabia falar o francês e as lições do catecismo pareciam-lhe muito complicadas. Por pouco não recebeu a primeira comunhão.

A providência divina haveria de mudar o destino dessa pobre menina no dia 11 de fevereiro de 1858. Ao sair com sua irmã e uma amiga para buscar lenha, nas proximidades do rio Gave, onde também ficava a gruta abandonada de Massabielle, um velho e asqueroso lixão, Bernadette é obrigada a esperar no local sozinha, pois havia sido proibida pela mãe de atravessar as águas geladas do rio. A senhora Luísa temia que a filha pegasse um resfriado. De repente, um vento sopra levemente o rosto de Bernadette. A pequena olha para os lados surpreendida, mas nada vê. O vento sopra uma segunda vez, levando-a a olhar para um nicho onde lhe aparece uma belíssima senhorita vestida de branco, com uma faixa azul em torno da cintura e rosas amarelas sob seus pés. A senhorita fica em silêncio, sorri e mostra-lhe o Santo Terço, o qual Bernadette logo começa a fiar piedosamente, como se estivesse num êxtase espiritual. Terminada a oração, a senhorita lhe faz um pedido: "Querereis ter a bondade de vir aqui…" Esta seria apenas a primeira de uma série de aparições da Virgem, que mudariam a história de Bernadette e de toda a França.

É preciso lembrar que, antes de Lourdes, Nossa Senhora já havia visitado a França, no dia 27 de novembro de 1830. Foi a Santa Catarina Labouré, cujo corpo permanece ainda hoje incorrupto, que a Mãe de Deus entregou a famosa Medalha Milagrosa, que já proclamava, bem antes de Pio IX, a sua conceição imaculada. Em Lourdes, por sua vez, Maria resolveu renovar o chamado de Deus à conversão, escolhendo para ser sua porta-voz nada mais que uma menina triplamente miserável. Num tempo em que os pobres não tinham história, "Bernadette — como Maria — veio à luz para fazê-los ingressar na História, para que manifestem seu valor oculto, para restaurar a verdade ignorada do Evangelho".

"Não lhe prometo a felicidade neste mundo, somente no próximo", diz Maria a Bernadette nas aparições seguintes, em que lhe pediria também oração e penitência pela conversão dos pecadores e reparação às ofensas cometidas contra Nosso Senhor Jesus Cristo — missão esta que a pobre menina cumpriu com grande zelo e heroísmo. Os testemunhos recolhidos posteriormente revelariam "em que condições estupendas, apesar de zombarias, de dúvidas e de oposições, a voz daquela menina, mensageira da Imaculada, se impôs ao mundo".

No dia 25 de fevereiro de 1858, Nossa Senhora pede a Bernadette que beba da água da fonte, coma as ervas do chão e depois o beije. A princípio, a filha dos Soubirous pensa que a Dama se referia às águas do rio Gave. Errado. Maria queria que Bernadette cavasse a terra para desenterrar a fonte dos milagres. Aos incrédulos que lhe fazem objeções pelo estranho pedido de Maria — não concebiam que a Mãe de Deus a tivesse "obrigado" a comer capim como um animal — Bernadette responde: "Você se comporta como um animal quando come salada?" Mas a revelação grandiosa viria no dia 25 de março. Depois de muita insistência do pároco de Lourdes, Bernadette pede à senhorita que diga seu nome: " Que soy era Immaculada Councepciou — Eu sou a Imaculada Conceição", responde a Virgem Santíssima para escândalo de todos. De fato, não era possível que Bernadette tivesse inventado aquilo, pois, uma menina que mal sabia o significado da Trindade, dificilmente também entenderia a dimensão das palavras "imaculada conceição". Como diria Pio XII anos mais tarde, "a própria bem-aventurada Virgem Maria quis confirmar por um prodígio a sentença que o vigário de seu divino Filho na terra acabava de proclamar com os aplausos da Igreja inteira".

Após tão excelsos eventos, confirmados pela autoridade da Igreja, Lourdes se tornaria um dos maiores santuários marianos do mundo, recebendo visitas das mais distintas terras, todos em busca de paz, curas, amor e fé: "Os melhores são empolgados pelo atrativo de uma vida mais totalmente dada ao serviço de Deus e de seus irmãos; os menos fervorosos tomam consciência da sua tibieza e reencontram o caminho da oração". Os milagres da fonte de Lourdes ainda hoje intrigam cientistas do mundo todo.

A pequena Bernadette, porém, seguiu sua vida no escondimento, como se nada tivesse acontecido. Voltou a ser uma simples jovem. Sentindo a necessidade de afastar-se do mundo e das especulações de curiosos, decide-se pelos votos religiosos e entra para o convento das Irmãs da Caridade, em Nevers, França. Com uma saúde ainda mais frágil, é obrigada a passar pelas mais duras humilhações, a ponto de ter de ouvir dos lábios da superiora, e na frente do bispo, "que não servia para nada". Oferece tudo ao Coração de Jesus como consolo e reparação às ofensas dos homens.

Bernadette viveu seus últimos anos em oração e grande agonia. "Não lhe prometo a felicidade neste mundo, somente no próximo". As palavras que a Virgem lhe dirigira nas primeiras aparições cumpriram-se fatalmente. A santa entregou-se como holocausto pela conversão e salvação dos pecadores. Morreu no dia 16 de abril de 1879, aos 35 anos, devido a sérias complicações causadas pela tuberculose. Suas últimas palavras: "Ó minha senhora, eu vos amo. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por mim". Com o corpo incorrupto, a "que não servia para nada" foi elevada às glórias dos altares em 1933 pelo Papa Pio XI. A felicidade eterna a havia alcançado.

Fonte: Padre Paulo Ricardo

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