Com alegria celebramos hoje a memória de São Francisco de Assis, modelo de amor aos pobres e à pobreza. Mas o que o levou a ter esse amor tão “estranho”? Com efeito, num primeiro olhar, bastante superficial, Francisco seria um precedente (um tanto radicalizado) dos modernos filantropos, pessoas dedicadas a “fazer caridade”. Mas o que realmente o levou a amar não só os pobres, mas a mesma pobreza? O Evangelho de hoje nos ajuda a encontrar a resposta. Trata-se da parábola do bom samaritano. Nela, Jesus mostra que é Ele o bom samaritano, descido do céu para vir em nosso socorro. Estávamos desfalecidos à beira caminho, vítimas de Satanás e de nossos pecados, e Ele veio ao nosso encontro, rebaixando-se para nos levantar. É Jesus quem nos põe sobre o lombo do burrinho e nos leva até a hospedaria, isto é, a Igreja, cujos pastores devem cuidar de nós enquanto Ele está ausente.
É interessante recordar que Jesus conclui a parábola com uma pergunta ao escriba: Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?, e ouve em resposta: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Então vem um comando surpreendente: Vai e faze a mesma coisa. Surpreendente, sim, porque o que Jesus nos está ensinando não é só a fazer obras de caridade, mas a fazê-las como Ele mesmo as fez — esvaziando-se de si para enriquecer a outros, rebaixando-se até nós para nos reerguer até Ele, fazendo-se pobre para nos tornar ricos. Nessas palavras há, de fato, um chamado à pobreza evangélica como meio de configurar-se a Cristo. Foi isso que moveu o coração de Francisco à santa radicalidade de amar os pobres fazendo-se ele mesmo o mais pobre de todos. Assim como o Filho de Deus se encarnou e, qual bom samaritano, permitiu-se ser desprezado pelos homens para os salvar, assim também o cristão que aspira à perfeição deve imitar o Cristo pobre e crucificado por amor a Deus e às almas: Vai e faze o mesmo.
Assim fizeram todos os santos que, no decorrer da história, se dedicaram ao cuidado dos pobres, homens tão apaixonados por Cristo, que abraçaram a mesma pobreza. São Francisco não é, portanto, um modelo de filantropia, mas de caridade sobrenatural. É por isso que a imagem que dele se faz hoje em dia é tão desfigurada e distante da realidade histórica. Para muitos, Francisco foi um visionário medieval, uma espécie de revolucionário avant la lettre, consciente de que devia “optar” pelos pobres naquela sociedade “pré-capitalista” e cada vez mais aburguesada. Essa é uma leitura sociologizante, com pitadas de linguajar marxista, que transforma o Francisco real, pobre por amor a um morto na cruz, num paladino da “justiça social” por ódio ao capital nascente… Francisco amava a Cristo nos pobres, e foi por amor a Ele que abraçou a pobreza: Quando fizerdes isso a um desses pequeninos, foi a mim que o fizestes. Para ele, é Cristo quem está no centro, não o pobre como tal.
Hoje em dia, há pessoas consagradas a causas sociais por certa compaixão natural aos necessitados. Em si mesmo, não é errado buscar formas de melhorar as condições de vida dos que mais precisam; afinal, é um dever não só de caridade mas de justiça socorrer a quem precisa e guardar a reta subordinação da propriedade privada ao bem comum, mas sem perder de vista que nada disso terá valor aos olhos de Deus (e, no fundo, verdadeira eficácia), se não for animado pela caridade divina, que tudo ordena para a glória de Cristo. A nossa misericórdia para com os pobres só será verdadeira, autêntica e perfeita, se formos nós os primeiros pobres — pobres de bens, se a isso nos chama o Senhor, ou pobres de coração, ao que todos são chamados —; nossa humildade só será sincera, se tivermos descido de nossa soberba e buscarmos em tudo, até no óleo que derramamos sobre chagas, nas feridas que curamos e enfaixamos, amar a Cristo. Assim as nossas boas obras serão mais do que mero assistencialismo, mas consolação verdadeira para os pobres, fonte de méritos para nossas almas, glória para Deus e gratidão para com Nosso Senhor.
Fonte: Padre Paulo Ricardo
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