Hoje é a solenidade de São Pedro e São Paulo. Todo o mundo sabe que o dia de São Pedro e São Paulo é 29 de junho, mas no Brasil se transfere para o domingo seguinte. Portanto é neste domingo, 4 de julho de 2021, que celebramos a festa. O que significa celebrar esses dois grandes Apóstolos, que com o seu sangue consagraram a igreja de Roma como centro do cristianismo, a sede de onde o Apóstolo Pedro e seus sucessores governam a Igreja ao longo dos séculos?
Em primeiro lugar, é preciso entender como a Igreja é edificada. Essa é a lição que nos dá o Evangelho deste domingo. Jesus pergunta: Quem dizem os homens ser o Filho do Homem? Depois de ouvir as respostas mais disparatadas, volta-se para os Apóstolos e diz: E vós, quem dizeis que eu sou? São Pedro faz então sua profissão de fé. Para quem observa externamente o Evangelho, parece banal que São Pedro tenha acertado a resposta, como quem acerta um teste numa prova com alternativas.
São Pedro diz: Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo. No entanto, a reação de Jesus não é banal. Isso quer dizer que tampouco a resposta de Pedro o foi. Jesus diz: Feliz és tu, bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. O que Jesus vê aqui? Lembremos que Jesus não é um homem qualquer. É essa a resposta de Pedro. Pedro enxerga que Jesus não é somente o Messias, o Cristo, o Ungido de Deus. É muito mais. É o próprio Filho de Deus feito homem, que olha para São Pedro e se alegra com o que aconteceu dentro da alma dele.
Sim, aconteceu algo diferente dentro do coração de Pedro. Cristo vê nele algo que é fonte de felicidade, de alegria, de bem-aventurança. O Senhor diz: Não foi um ser humano, não foi a carne nem o sangue que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Houve, portanto, algo de sobrenatural. Aqui está a maravilha das maravilhas. Quando os cristãos realizamos um ato de fé, ocorre em nós uma transformação interior.
É nessa mudança que acontece dentro da alma que a Igreja é edificada. Claro, para que essa mudança seja completa, é necessário que o cristão seja batizado, para que Deus realize no coração dele todas as transformações. Mas é importante notar que o ato de fé é fundamental, é fundante, é o início. Podemos, por exemplo, ser batizados na Igreja Católica, mas se perdermos a fé no meio do caminho, deixando de crer em Jesus, deixaremos de ser membros da Igreja.
A Igreja é edificada sobre a fé. Aqui está a coisa mais maravilhosa: o que aconteceu na alma São Pedro precisa acontecer também na nossa, na alma de cada um de nós. É por isso que Jesus, antes de subir aos céus, olhou para os Apóstolos e disse: Ide pelo mundo inteiro, fazei discípulos, pregai o Evangelho, ensinando a observar as coisas que vos ensinei, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
“Ide”. É a missionariedade dos Apóstolos. Eles saem para transmitir a fé, ou seja, para levar aos outros o mesmo que aconteceu com São Pedro, a mesma fé, a mesma felicidade que Jesus viu no coração de Simão, fruto não de uma revelação humana, mas do Pai do céu e graça do Espírito Santo. Essa é a missão dos Apóstolos.
Os Apóstolos precisam sair pelo mundo como enviados para fazer surgir a fé nas almas. Por isso o cristianismo tem uma doutrina. Não adianta dizer: “Ah, para mim, Jesus é…”, como se fosse uma questão subjetiva. Não. Jesus ouviu as respostas do povo: “Para uns, era João Batista; para outros, Elias; para outros, Jeremias; para outros ainda, um dos profetas”, mas essas respostas não estavam certas porque não passavam disso: impressões subjetivas. Não eram a verdade sobre Jesus.
Todos erraram o alvo. Só Pedro acertou; portanto, no dogma da fé, só Pedro ensinou quem é Jesus de verdade: Ele é o Messias prometido, mas é também muito mais — é o próprio Filho de Deus encarnado. Essa é a fé dogmática. Se queremos fazer parte da Igreja Católica, temos de entender que nós católicos cremos numa doutrina específica, nos dogmas da Igreja, num conteúdo dogmático.
Em outras palavras, há coisas que estão certas, que são a verdade, e é a partir disto que a Igreja é construída. Infelizmente, vivemos num tempo — para usar uma expressão de Bento XVI — de ditadura do relativismo. Hoje todo o mundo pode achar o que quiser, menos que a sua opinião seja a correta. Todo o mundo pode pensar o que bem entender, desde que não tenha a pretensão de buscar a verdade.
Ora, todo ser humano quer a verdade! Deus mesmo quer que a encontremos! Jesus está com Pedro e os Apóstolos no dia a dia e, através de suas pregações, dos milagres, dos exorcismos, de seus exemplos, faz o trabalho de um verdadeiro Mestre, para que eles finalmente cheguem à profissão da fé. E a primeira característica dela é ter um conteúdo específico e definido.
Quando os budistas, por exemplo, vão fazer meditação, o que eles fazem? Pensam “no nada”. Meditar para eles quer dizer acalmar as paixões interiores, pensar em coisa alguma e, assim, sentir-se tranquilo. Nós cristãos não somos assim. Quando vamos meditar, temos de começar com algo dogmático, com um conteúdo da revelação divina, e assim meditamos sobre Jesus, a sua Paixão, como Ele nos amou etc. Há um conteúdo que pode ser narrado, uma história, uma verdade de fato: aquilo aconteceu, Deus veio a esse mundo para morrer na cruz por nós, para nos amar, para se entregar pelos homens.
Meditamos essas verdades, e assim, na nossa vida de oração, acontece uma experiência semelhante à de Pedro no Evangelho: aquilo que aprendemos na catequese, com nosso pai, mãe ou a avó, começa a fazer sentido. Dá um click, e nós enxergamos a luz. Ao meditarmos as histórias da Paixão, pondo-nos em oração sob a presença de Cristo, chega um momento em que dizemos: “Nossa, eu vi”. Viu o quê? “Jesus me ama”. Mas não sabíamos disso antes? “Sim, aprendi na catequese, mas agora eu vi”, ou seja, nos tornamos testemunhas de algo.
O que é esse ver? É o ato de fé, e é nele que a Igreja é edificada. Uma vez que o fiel teve a experiência da fé, ou seja, depois que aprendeu o dogma, deu o seu “sim” à doutrina da Igreja Católica, mas a levou também para a oração e para a vida, ninguém consegue mais movê-lo para outro lugar, porque ele viu e não pode negar que viu. Tornou-se testemunha da verdade da fé, realmente teve uma experiência da verdade: Jesus é Deus, Jesus nos ama, Jesus morreu na cruz por nós, Jesus está na Eucaristia.
Mas é preciso ter vida espiritual para que finalmente essas fórmulas que aprendemos no catecismo tenham um sentido para nós, isto é, para que as verdades por elas expressas brilhem dentro de nós. Isso é a fé, é sobre ela que é edificada a Igreja e é com essa experiência que as portas do inferno não prevalecerão. Por quê? Porque podem vir todas as ideologias do mundo; mas, uma vez que vimos, ninguém será capaz de nos engambelar ou ensinar coisas diferentes. Uma vez que vimos que dois mais dois são quatro, não poderemos mentir para nós mesmos dizendo que são cinco.
Essa é a realidade da fé, em cuja experiência precisamos crescer, num movimento interior em que vamos enxergando aos poucos as coisas de Deus. Mas não é o fim. É preciso mais. Temos aqui somente o começo. Que passos dar, então? Primeiro, aceitar com fé os dogmas da Igreja, ou seja, o que está no catecismo. Depois, pegar esses dogmas aprendidos no catecismo e levá-los para a oração porque são verdades, sim, mas que precisam ser amadas, buscadas, cavoucadas, digeridas, transformadas em “sangue”.
Mas, uma vez que vimos a verdade do dogma católico e nos tornamos testemunhas dela, não podemos parar por aí. Deus não somente ilumina a inteligência, Ele também convida a vontade a amar. Na oração, na meditação cristã, o que fazemos é isso: pegar uma verdade que já sabemos ser verdadeira para meditá-la, porque buscamos entendê-la com cada vez mais profundidade, a fim de amá-la com maior intensidade.
Podemos, por exemplo, meditar sobre a Paixão de Cristo. Contemplamos a Jesus no Horto das Oliveiras a suar sangue, o anjo que o consola, suas últimas palavras: Meu Pai, Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? No alto da cruz, vemos Jesus amar e sofrer, vivendo as mais tremendas situações de angústia e de dor por caridade etc. Mas só vamos enxergá-lo de fato se o levarmos para a oração, se buscarmos a verdade para amá-la. Uma vez que vimos a verdade, para amá-la será necessário mover a vontade. Aqui está o drama. Por que tanta gente que até chega a fazer experiência da fé ainda é capaz de trair Jesus? Porque não basta que a inteligência seja iluminada; a vontade precisa ser convidada, e nós precisamos dizer “sim” a esse convite.
Quando formos rezar, precisamos estar dispostos a mudar. Mas a mudar o quê? Mudar nossa vontade — a não querer o que queremos, mas o que Deus quiser. Alterar a vontade interiormente é o efeito sublime e exclusivo da oração cristã, que vai mudando as pessoas interiormente, dando-lhes um coração semelhante ao de Cristo. Mas essa transformação só acontece quando há coragem para dizer “não” aos próprios caprichos pessoais e “sim” à vontade manifesta de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Olhemos para a nossa vida. O que temos feito ou vivido que não está de acordo com o Evangelho? Tomemos isso mesmo que estamos meditando. Muitas pessoas pensam hoje: “Não, há o dogma da Igreja tradicional, de dois mil anos; mas eu sou moderno, sou discípulo de tal teólogo e, na minha escola teológica, a gente não pensa de modo romano, quadrado, tradicional”. Pois é, levemos isso para a oração. Veremos que Deus quer que mudemos essa forma de pensar, a qual não é mais do que uma busca de peculiaridade: é querer ser diferente e julgar dois mil anos de história, de Magistério, de santos — porque achamos que somente nós e a nossa “turma” estamos certos. Queremos realmente edificar a Igreja? Queremos ser santos? É no fundamento dos santos e na fé dos santos que a Igreja é edificada. É assim que as portas do inferno não prevalecerão.
Tenhamos a humildade de mudar de opinião e de vontade. Temos nossos projetos, caprichos, veleidades, querendo fazer certas coisas, mas Deus talvez não queira o que queremos. Talvez tivéssemos o projeto de viajar sabe-se lá para onde; mas, no tempo da epidemia, isso se tornou impossível. Nossos projetos foram frustrados… Então aceitemos a vontade de Deus, mudemos nossa vontade, mas não a mudemos como fazem as almas revoltadas, que ficam simplesmente resignadas. Mudemos de vontade porque o que Deus quer é sempre o melhor. Dizia São Rafael Arnáiz: “Quem seria louco de querer o que Deus não quer?” É isso que vai edificar a Igreja.
Os Apóstolos foram enviados por Cristo para fazer isso. Jesus, antes de subir aos céus, disse-lhes: Ide pelo mundo inteiro, fazei discípulos. Ora, como o mundo inteiro se tornou cristão, mas agora está se descristianizando? Por que há essa diferença? Por que aqueles doze pobres pescadores da Galiléia foram capazes de transformar o mundo, e nós agora, que temos todos os meios de comunicação disponíveis, não estamos mudando o mundo?
Antes de tudo, eles fizeram a experiência da verdade. Eles, em primeiro lugar, estavam dispostos a mudar de vontade para abraçar a de Cristo e, uma vez que eles se tornaram testemunhas da verdade com a própria vida, saíram e fizeram discípulos mundo afora. Isso quer dizer o quê? Que, no corpo a corpo do convívio, eles foram convertendo as pessoas uma por uma, ensinando a rezar uma por uma, ensinando os dogmas, ensinando a meditar a Palavra de Deus. Ensinavam as pessoas a progredir na fé. São Pedro e São Paulo saíram para evangelizar o mundo, mas eles, na prática, não evangelizaram o “mundo”, evangelizaram as pessoas concretas com quem se preocuparam e a quem quiseram salvar.
Por isso precisamos parar com “projetos mundiais” de evangelização e começar a ter um projeto pessoal de convencer, de converter, de mudar a vida dos que estão ao nosso lado. “Ah, mas eu quero evangelizar o Brasil!” Comecemos evangelizando quem está ao nosso lado, os que estão abertos, desejosos… Paremos de querer apenas likes no Facebook, no Instagram, e nos preocupemos realmente em ajudar as pessoas a se salvarem, sejamos pescadores de homens. Foi isso o que fizeram os Apóstolos: saíram por todo o mundo ensinando as pessoas a fazer a experiência da fé sobre a qual é edificada a Igreja.
Nesse sentido, também nós somos “sucessores” dos Apóstolos. A Igreja é apostólica porque temos a mesma fé, é o mesmo conteúdo dogmático ensinado pelos Apóstolos dois mil anos atrás. Há mais, todavia: é a mesma experiência de encontrar nessas verdades a Palavra feita carne, Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos ilumina com o Espírito Santo, transforma o nosso coração, unindo-o à vontade do Pai do céu. Assim o Reino de Deus é edificado. Somente assim poderemos dizer que as portas do inferno nunca irão prevalecer.
Neste domingo de São Pedro e São Paulo, renovemos nossa fé na fé dos Apóstolos e tenhamos o firme propósito não só de fazer a experiência da verdade na vida de oração, mas de mudar de vida, para que a nossa vontade esteja cada vez mais unida à de Cristo. Então estaremos edificando a Igreja sobre a pedra na qual Jesus quis edificá-la.
Fonte: Padre Paulo Ricardo