terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Uma alegria que o mundo não conhece

Hoje, enquanto o mundo se agita como em um dia qualquer, a Igreja abandona o violáceo do Advento e veste a alvura das solenidades: é dia de Glória, é dia de rezar o Credo, é dia de cantar hinos à Imaculada Conceição. Nosso coração católico se alegra em participar da Santa Missa e celebrar a alvura sem mancha, a pureza sem mácula, a santidade sem pecado de Maria.

Esta alegria, no entanto, o mundo não a conhece. Se a conhecesse, fechar-se-iam seus comércios, como em dia de domingo. Mas não. O mundo não conhece o descanso por amor; ele só conhece o lockdown, e por temor. O mundo não conhece o valor do culto a Deus; ele só conhece a cultura da saúde e do dinheiro, e faz delas o seu deus.

A pureza de Maria, também, é desconhecida do homem moderno. Incrédulo, ele ouve: “Imaculada Conceição”, e meneia a cabeça, desacredita, faz troça, não crê ser possível. Acostumado aos pecados sensuais contra a natureza, ele só conhece a mácula, e esta sem a concepção. 

Nós também conhecemos a mácula, sim, porque somos pecadores. Mas não conhecemos só isso. Em Jesus, o Cordeiro inocente “que tira o pecado do mundo”, e em Maria, a Virgem concebida sem pecado original, nós temos acesso à graça — realidade que o mundo, infelizmente, se recusa a aceitar.

Nada disso nos deveria assustar, porque a primeira leitura da Missa de hoje já denuncia a inimizade que Deus selou, desde o princípio, entre os filhos de Maria e os da serpente: Ipsum cónteret caput tuum, et tu cónteres calcáneum eius, “Esta”, a descendência da Virgem, “te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3, 15).

Não pode haver comunhão entre os filhos das trevas e os da luz. Pode-se até tentar. Pode-se até ensaiar um diálogo. Mas, como diz Santa Teresa: “Quando dois não pensam do mesmo modo, como poderão amar-se por muito tempo? É amor que há de acabar com a vida, pois, se um não guarda a lei divina, e, por conseguinte, não ama a Deus, diferentes hão de ser os seus destinos”. E ponto final.

Quem são os filhos da luz e quem os das trevas? Quem os da Imaculada e quem os da serpente?

Desde já a Escritura nos mostra como identificar uns e outros: a serpente será ferida na cabeça, isto é, na parte mais elevada; a descendência da mulher será ferida no calcanhar, isto é, na parte mais rebaixada. Pois bem, os filhos da serpente serão como ela: cabeça altiva e olhar orgulhoso, sua marca é a soberba; os filhos da mulher, pelo contrário, serão humildes como o calcanhar.

Saber disso deve servir para nós como uma régua, com a qual devemos medir não os outros, mas a nós mesmos. Pois enquanto Deus não separar o trigo e o joio, tudo é incerto; enquanto Ele não vier para reunir os seus justos, ninguém está seguro.

Até lá, peçamos a Ele: “Livrai-nos do mal”. Até lá, ao rezarmos os Salmos, implorando a Deus que nos livre da mão de nossos inimigos, não nos esqueçamos que o principal inimigo de nossa salvação não está lá fora, mas aqui dentro: é a nossa carne maculada, é o “mundo” que vive em nós. 

E supliquemos à Virgem Imaculada, que com tanta alegria celebramos hoje: Ora pro nobis, peccatoribus, “Rogai por nós, que somos pecadores”. Sim, há uma alegria que brota da penitência, da dor dos próprios pecados; uma alegria que brota da súplica confiante a quem possui o que ainda não temos. 

Esta alegria o mundo não a conhece. Mas por misericórdia, por pura misericórdia, Deus nos deu a conhecer.

Fonte: Padre Paulo Ricardo

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