Hoje celebramos com grande alegria a Festa da Transfiguração do Senhor. Jesus sobe ao monte e se transfigura diante dos Apóstolos prediletos, Pedro, Tiago e João. É uma manifestação extraordinária, que sai completamente fora do que estamos acostumados a ver em Jesus. Ele, pobre e humilde carpinteiro de Nazaré, que andava entre as pessoas, se cansava, sentia fome etc., de repente sobe a montanha e, diante dos Apóstolos, aparece glorioso. Como é possível que Jesus apareça glorioso dessa maneira?
Na realidade, a pergunta deveria ser invertida. Por quê? Porque sabemos por fé católica que Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O papa São Gregório Magno, Doutor da Igreja, nos ensina que, quando Cristo assumiu nossa humanidade, Ele assumiu o que não tinha, mas não renunciou ao que já tinha. Jesus, na gruta de Belém, humilde criancinha nos braços da Virgem Maria, continuava a ser o Filho de Deus, eterno em sua glória celeste. Na verdade, a pergunta que nos deveríamos fazer não é por que Jesus se mostrou glorioso no Tabor, mas, ao contrário, por que Ele não manifestou sua glória o tempo todo. Como é possível, afinal, que o Senhor tenha passado por esse mundo, e somente três testemunhas, juntamente com Moisés e Elias, tenham visto sua glória?
O próprio São João narra o mistério da Transfiguração numa pequena passagem do prólogo de seu evangelho: Nós vimos sua glória, pleno de graça e de verdade. Sim, o episódio particular da Transfiguração não é narrado no quarto Evangelho, mas nessa frase João fala como testemunha da vida de Cristo em geral. Também São Pedro, em uma de suas cartas, diz ter visto a glória de Jesus na montanha santa. É, pois, um acontecimento histórico irrefutável: de fato, Jesus se manifestou glorioso para os Apóstolos. Mas Ele o fez para mostrar que, na realidade, sempre fora glorioso, embora escondido sob a forma de servo, para usar a linguagem do segundo capítulo da Carta aos Filipenses, de São Paulo. Sim, Cristo glorioso esteve presente o tempo todo. O Jesus pequenino no berço, na manjedoura em Belém, era Deus glorioso, nós que não o víamos. O Jesus que se cansava, sentia fome e sede, a ponto de pedir água a uma samaritana, era Deus glorioso, nós que não o víamos.
Hoje, Cristo sobe a montanha com três discípulos, para mostrar sua glória a fim de os preparar para um momento escandaloso: aquele em que esconderia ainda mais sua glória. No monte Tabor, Jesus está transfigurado, mas no monte da dor, no monte do Getsêmani, no Horto das Oliveiras, Ele estará desfigurado. Jesus convidou os mesmos Pedro, Tiago e João para estar consigo no Horto das Oliveiras, onde Ele suou sangue e agonizou. Jesus queria que esses três Apóstolos enxergassem que, naquele homem aparentemente abandonado por Deus, na realidade estava Deus abandonado pelo homem — Deus glorioso e bendito, escondido na humildade de um crucificado, de um agonizante. Por quê? Para mostrar o que nosso pecado faz, isto é, qual é a gravidade da ofensa de nossos pecados ao coração de Deus.
Celebrar a Festa da Transfiguração do Senhor é celebrar, antes de tudo, o fato de que Jesus, por nós homens e para a nossa salvação, escondeu sua glória e veio viver a humildade de nossa vida. Mas Ele, a qualquer momento, poderia ter manifestado sua glória, como Ele mesmo disse em seu julgamento, ao afirmar que Deus Pai poderia mandar uma legião de anjos para defendê-lo. Ele poderia acabar imediatamente com todo aquele sofrimento. No fundo, o desafio que os algozes lhe faziam na cruz, dizendo: Desce da cruz! Salva-te a ti mesmo!, era expressão da incredulidade deles, porque Jesus poderia, sim, naquele momento, descer da cruz, manifestar sua glória e, com todo o esplendor, paralisar aqueles loucos e pecadores que o estavam fazendo sofrer.
É importante enxergar que, por amor a nós, Jesus, a cada momento de sua vida, durante trinta e três anos, quis voluntariamente cada sofrimento, cada humilhação, cada cansaço. Sim, é importante entender que sua vontade era contínua. Não é que Deus tenha decidido fazer-se homem, viver a humildade de nossa condição e, por causa disso, viu-se “enjaulado”, “trancafiado”, “sem liberdade”, “condenado” a viver assim por trinta e três anos. Não. Jesus não se “condenara” a viver em condição humilde por trinta e três anos. Ele poderia ter saído dela a qualquer momento, e, no entanto, Ele quis permanecer assim, num ato contínuo de amor e de vontade salvífica. Por nós homens e pela nossa salvação. Cada momento de humildade, cada gota de suor e de cansaço, de fome e de sede foi desejado, querido, vivido por Ele por amor a nós.
A Transfiguração nos mostra isso: Jesus poderia a qualquer momento, num simples estalar de dedos, decidir livrar-se não somente dos sofrimentos da cruz ou das agonias do Horto, mas também de todos os outros sofrimentos pelos quais passou (pelo cansaço, pela fome, pelo dia a dia…). Mas Ele não o quis. Por amor a nós, Ele assim viveu, durante trinta e três anos, cada segundo, cada pequeno momento abraçado por amor a nós.
A Transfiguração brilha com uma glória extraordinária. É a glória do amor de Deus, glória que esteve escondida sob um véu da humildade, a condição de Cristo em seus trinta e três anos na Terra. Por isso, quando nós hoje, celebrando essa Festa, formos à igreja e olharmos para o sacrário, recordemos: o mesmo Cristo está glorioso presente ali, mas escondido agora sob um véu talvez ainda mais espesso porque, como diz Santo Tomás de Aquino, na cruz se escondia a divindade, e no sacrário se esconde também a humanidade. No entanto, debaixo daquele véu está Deus glorioso e bendito. Por amor a nós, Ele quis humilhar-se e estar no sacrário. Mas se Ele está lá por nós, por que nós não estamos lá por Ele? Celebremos a Transfiguração do Senhor com um profundo ato de fé, crendo verdadeiramente nessa presença divina — por nós homens e pela nossa salvação!
Fonte: Padre Paulo Ricardo
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