Quem são estes homens e mulheres que estamos a celebrar hoje? Trata-se dos seres humanos que já estão na glória do céu. No Apocalipse, eles são divididos entre os santos do Antigo e do Novo Testamento. Os primeiros contam “cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel” (7,4). O número é simbólico e indica doze mil pessoas, de cada um das doze tribos de Jacó, justamente porque foram poucos os justos veterotestamentários; antes de Jesus a santidade era um fenômeno ainda mais extraordinário do que é hoje. Os santos que vieram, porém, depois de Cristo, no tempo da Igreja e dos sacramentos, são descritos como “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar” (7,9). Grande esperança nos infunde essa visão! Oxalá sejamos contados, no fim dos tempos, entre estes santos anônimos de que fala o Apocalipse!
1. As pessoas não sabem o que é santidade. — Para que cheguemos a esse estado, porém, precisamos compreender, em primeiro lugar, que a santidade é muito mais que cumprir os Mandamentos.
O jovem rico do Evangelho, por exemplo, cumpria à risca os preceitos do Decálogo. Fosse católico, ele certamente teria respondido à Jesus, na ocasião em que com Ele se deparou: “Eu já vou à Missa aos domingos, rezo meu Terço todos os dias, confesso-me com frequência, pago meu dízimo e cumpro meus deveres de estado”. Talvez ele até ajuntasse que não mais comete pecados graves; que se limita a alguns “deslizes” e imperfeições aqui e ali; que pouco ou quase nada colhe dos exames de consciência que faz. Mesmo tendo feito tudo isso, porém, que para nós pode parecer muito, a verdade é que o ato de “não pecar”, de cumprir estritamente com as próprias obrigações, não passa disto mesmo: uma obrigação. Os santos, porém, longe de se limitar aos próprios deveres, o que procuraram fazer nesta vida foi unir-se amorosa e generosamente a Jesus.
Sim, eles também obedeceram à lei de Deus, mas dizer isso é pouco; o que melhor os caracteriza é a união distinta que tiveram com Nosso Senhor.
Isso pressupõe, antes de tudo, um verdadeiro socorro vindo do alto. Pois não é com nossas próprias forças que seremos santos. A Torre de Babel foi um projeto fadado ao fracasso desde o começo por quê? Porque, por mais alto que suba o homem, ele nunca poderá chegar a Deus elevando, altivo, o seu olhar. É antes o Senhor que tem de vir primeiro ao nosso encontro. Isso aconteceu em Jesus, dois mil anos atrás. Porque Ele “desceu”, então nós podemos “subir”. A fonte de santidade é Ele mesmo, “Deus conosco”, a segunda Pessoa da Trindade que se uniu à nossa natureza humana — justamente a fim de torná-la consorte da natureza divina. Esse processo está destinado a consumar-se na glória do céu, mas seu princípio acontece ainda nesta vida, por meio da graça.
2. As pessoas não querem ser generosas. — Com a graça nós podemos colaborar generosamente, mas também é possível que, preguiçosamente, nós resistamos à ação de Deus. Aqui entra, pois, o fator da nossa vontade, humana e débil — que poderíamos definir como a segunda grande dificuldade para que as pessoas se tornem santas.
Como o jovem rico de que falamos acima, as pessoas em geral também não querem “pagar o preço” da santidade, não querem dar o passo de “deixar tudo” para seguir a Jesus. Se examinarmos a nossa vida, veremos como Deus pode estar nos pedindo já há muito tempo alguma coisa que teimamos em não lhe querer dar. A esse misto de ira, tristeza e preguiça em corresponder à inspiração divina os autores espirituais dão o nome de acídia.
Para curar essa doença espiritual, precisamos meditar sobre a bondade de Deus, que quer a nossa felicidade perfeita, não parcial. Ninguém quer ser 50 ou 70% feliz; queremos ser 100% felizes. Para tanto, precisamos nos doar a Deus inteiramente, e não pela metade. É Ele que sabe o que é melhor para nós; nós, pelo contrário, quantas vezes não queremos coisas más, as quais sabemos que nos irão fazer mal! Confiemo-nos, pois, a Ele, sem medo.
3. Dicas para trilhar o caminho da santidade. — A base desse edifício que queremos construir é composta de duas virtudes fundamentais: fé e humildade. A primeira é exercitada pela oração e a segunda pelo reconhecimento contínuo de nossa miséria e pequenez ante Deus, de quem tudo recebemos. Não nos esqueçamos que foi a soberba o que fez cair Satanás e os seus anjos — com seu Non serviam, “Não servirei” —‚ ao passo que com o Coração de Jesus nós aprendemos a ser mansos e humildes; e, com a Virgem Maria, nós aprendemos a dizer: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra”.
Depois disso, é claro, procuremos viver à risca os Mandamentos: livremo-nos primeiro dos pecados graves, que matam em nós a vida da graça; depois, dos pecados veniais, que esfriam a chama do amor divino em nossos corações. E façamos tudo isso com a confiança de crianças, que se abandonam completamente aos cuidados de seus pais, cientes de que é Deus o autor da santidade, e não nós. “Bem-aventurados os pobres em espírito”, diz Jesus no Evangelho de hoje, fazendo alusão a essas pessoas que se esvaziam de si, a fim de se encherem da graça, “porque deles é o Reino dos céus”.
Sobretudo, caminhemos por uma “estrada régia” para a perfeição, que é o sacramento da Eucaristia. O Beato Carlo Acutis dizia ser esta a sua “autoestrada para o céu” — e deve ser também a nossa. Na Comunhão eucarística, unimo-nos a Cristo de modo especial. Se, pois, o fizermos bem, generosamente, frequentemente, fervorosamente, piedosamente, nada nos deterá em nossa ascensão até Deus.
Fonte: Padre Paulo Ricardo
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