Celebramos hoje a memória de Nossa Senhora das Dores. Depois de termos celebrado a Exaltação da Santa cruz, olhamos agora para a nossa Mãe bendita que, compadecida de seu Filho na cruz, sofre as dores da corredenção. Sim, Nossa Senhora esteve unida ao mistério da cruz. É importante entender o seguinte: o cristianismo revelou uma verdade de que as pessoas não faziam ideia — há algo de redentor na dor. Dizer isso é quase escandaloso aos nossos ouvidos porque, é claro, para a mentalidade humana, a dor é sempre ruim, sobretudo para uma cultura como a nossa, que é excessivamente analgésica, ou seja, não suporta nem uma dor de cabeça. Não se trata aqui de defender nenhuma forma de “masoquismo”. O que estou dizendo é que, porque vivemos numa cultura que foge constantemente da dor, por isso não entendemos mais o valor redentor dela. Por quê? Porque é na dor, afinal, que se podem realizar os mais perfeitos atos de amor.
Ora, o que de fato é redentor? O amor. Eis a beleza. O que é redentor é o amor porque Deus é amor, e nós fomos redimidos por um grande ato de amor de Nosso Senhor. Deus poderia nos ter amado nas lonjuras do céu, e nós nem teríamos notícia disso. No entanto, Ele quis mais: quis fazer-se carne e morrer na cruz para mostrar a imensidão do seu amor. A história poderia ter terminado por aí: “Deus veio, sofreu por nós, morreu na cruz, agora estamos salvos, pronto e acabou, aleluia”… Mas não. Deus é tão maravilhoso, que nos convida a participar da redenção. São Paulo mesmo o diz: Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo. Muitos não entendem e até criticam o título Corredentora porque não entendem a fundo a frase de São Paulo. Ora, de alguma forma, também nós — você e eu — somos corredentores. Sim, há um único Redentor, Jesus Cristo, mas se todo cristão é, de alguma forma, corredentor, é evidente que Nossa Senhora há de ser Corredentora de forma única e irrepetível.
Recordemos o que foi dito até agora. Deus nos ama, mas quis mostrar-nos o seu amor abraçando a realidade dolorosa e dramática da cruz; suspenso nela, mostrou o quanto nos ama. É por isso que os cristãos olhamos para a cruz de Cristo e dizemos: “Como Deus nos amou!” Há mais, porém. Deus quer também que nós o amemos e, unidos a Ele, amemos os outros. Essa é a maravilha da redenção: Deus quis contar com nossa modesta mas real participação. Qual seria a alternativa? Que Deus nos tivesse amado, e ponto final. Nós porém continuaríamos egoístas. Ora, como pretender entrar no céu sem nunca ter correspondido ao amor de Deus?…
Não foi isso o que Deus fez; de fato, quando Deus faz as coisas, Ele as faz de modo perfeitíssimo. Se Ele nos ama com uma grande caridade, então quer que nós o amemos de volta igualmente. Para isso, Ele mesmo nos dá o amor com que quer ser amado. Isso é um privilégio, uma coisa maravilhosa! Se Deus tivesse vindo e nos amado, mas dito assim: “Agora se virem para me amar de volta”, estaríamos perdidos. Não foi isso o que Ele fez. Deus veio, nos amou e derramou o seu Espírito Santo para que nós pudéssemos amá-lo de volta, isto é, para que pudéssemos corresponder ao seu amor. Esse é o mistério da redenção — o Deus de amor faz filhos de amor.
Deus antecipou tudo isso numa mulher, na menina de Nazaré, Nossa Senhora. Desde o primeiro momento de sua vinda ao mundo, Jesus foi correspondido em seu amor por uma alma agraciada, que já tinha o Espírito Santo antes de todos, uma alma que já recebera de Deus a capacidade de amar de forma prodigiosa. A Imaculada podia amar de volta, porque recebeu antecipadamente o amor com que Deus queria ser amado. Ora, se ela amou Jesus assim, é evidente que amou e quis tudo o que Jesus mesmo amava e queria. E o que Ele mais amava e queria neste mundo? Salvar-nos. Logo, também Maria quis nos salvar participando ao seu modo dessa grande obra. Jesus ama os homens e quer salvá-los? Então, se amamos Jesus, queremos também salvar os homens. Não se trata de uma invenção ou cavilação minha. Não. Foi Jesus quem disse: Ide por todos os povos e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo etc. Ora, quem faria tudo isso? Os Apóstolos! Por isso dizia São Paulo: Vae enim mihi, si non evangelizavero, “Ai de mim se eu não evangelizar”. Misericórdia se não amarmos como Jesus amou!
Todos os verdadeiros cristãos de todos os tempos, de todas as raças, de todos os países, vendo o amor de Cristo com que Cristo nos amou, amaram Cristo de volta, isto é, foram corredentores sofrendo pela salvação dos outros. Caritas Christi urget nos, a caridade de Cristo faz como que violência em nós, impele-nos a, vendo que um só morreu por todos, querer morrer, ainda que seja pela salvação de só um. Se isso vale para todos os santos, como não valerá também para a Virgem Santíssima? Ela, cheia de graça, recebeu o Espírito Santo desde o primeiro instante da sua concepção, motivo por que tinha uma capacidade de amar maior que a de todos os anjos e santos. Com que pressa, com que amor ela não tomou sobre si as dores redentoras de Cristo para sofrer por nós! Ela uniu-se a Cristo em suas dores porque já se unira a Ele em seus amores. Eis o mistério da corredenção, celebrado neste dia de Nossa Senhora das Dores. Digamos-lhe hoje: “Mãe bendita, obrigado por terdes sofrido por mim. Compadecida de Cristo na cruz, tomastes sobre vós a minha cruz. Mãe bendita, Consoladora dos aflitos, vinde em nosso auxílio, qual outro Cirineu, como Mãe que carrega e ajuda a carregar a cruz de seus filhos. Ensinai-nos a amar Jesus, carregando a cruz de cada dia e procurando a salvação do próximo”.
Fonte: Padre Paulo Ricardo
Nenhum comentário:
Postar um comentário