Era o dia 22 de fevereiro de 1931. Uma jovem de 25 anos está recolhida em seu quarto no convento de Plock, na Polônia. É uma das mais antigas cidades daquele país, situada a 120 km de Varsóvia, a capital. Exatamente há um século ocorrera ali a última sessão do parlamento do Reino da Polônia. Entre 1079 e 1138 tinha sido a sua capital. Em 1938, quase 25% da população local eram judeus, a maior proporção no país, e que infelizmente seriam dizimados depois pelos nazistas.
Faustina Kowalska, camponesa de origem, era professa temporária da Congregação de Nossa Senhora da Misericórdia, e desde 1930 residia na casa de Plock. Lá se ocupou sucessivamente na padaria, na cozinha e na despensa da padaria. Já durante o tempo de discernimento vocacional, em Varsóvia, esta polonesa fora agraciada por Deus com inúmeras locuções interiores e visões místicas. Em seu Diário havia registrado que, já durante o Noviciado, Jesus lhe havia exortado: “Procura conhecer a Deus, refletindo sobre os Seus atributos” (Diário 30).
Mas desta vez algo extraordinário estava para marcar a sua vida – e a de toda a Igreja.
Anota Santa Faustina em seu Diário, que iniciou a escrever três anos depois, em relação àquele dia:
“À noite, quando me encontrava na minha cela, vi Nosso Senhor vestido de branco. Uma das mãos erguida para a bênção, e a outra tocava-Lhe a túnica, sobre o peito. Da túnica entreaberta sobre o peito saíam dois grandes raios, um vermelho e o outro pálido. Em silêncio, eu contemplava o Senhor; a minha alma estava cheia de temor, mas também de grande alegria” (D. 47).
É o Cristo Ressuscitado, vencedor de todo o mal, que visita de um modo extraordinário a humanidade! É o mesmo que diz: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu!” – como lemos nos relatos da Sua ressurreição (Lc 24,39). “Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés” (v. 40). O “temor” e a “alegria” que se verificam na reação de Faustina se assemelham aos Apóstolos – “perturbados”, mas com “alegria” (vv. 38.41). E as chagas que carrega? Como dizia São Beda o Venerável, (+735), Doutor da Igreja, o Ressuscitado faz questão de carregar consigo – eternamente! – estas marcas “para fazer os fiéis redimidos compreender com quanta misericórdia foram socorridos” (in S. Th. III, 54, 4).
Faustina continua o relato:
“Logo depois, Jesus me disse: Pinta uma Imagem de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós. Desejo que esta Imagem seja venerada, primeiramente, na vossa capela e, depois, no mundo inteiro. Prometo que a alma que venerar esta Imagem não perecerá. Prometo também, já aqui na Terra, a vitória sobre os inimigos e, especialmente, na hora da morte. Eu mesmo a defenderei como Minha própria glória” (D. 47/48).
As promessas de Jesus estão relacionadas à veneração de uma imagem (pintura), que passaria a ser designada como imagem de Jesus Misericordioso. Neste novo movimento espiritual que apenas está se iniciando, há cinco novos elementos que o identificam – além da imagem, Jesus revelaria ainda a Festa, a Novena, o Terço e a Hora da Misericórdia. Na revelação de Plock Jesus não explica de modo detalhado como se deve dar esta veneração do quadro, ficando, portanto, a critério do amor e do bom senso de cada cristão, grupo ou comunidade. O fato é que mais adiante (D. 49) pedirá que seja “solenemente abençoada” na Festa da Misericórdia. A inscrição – como se fosse uma assinatura – indica que não basta a posse de um objeto material; é necessária a confiança pessoal, que nasce da fé unida à caridade e à esperança, da certeza de que Jesus e sua misericórdia estão sempre conosco!
É importante destacar que se celebrava naquele dia o 1º Domingo da Quaresma, tempo forte de preparação para a Páscoa. Anos antes (1928) o Papa Pio XI já havia convocado todo o orbe católico a se voltar ao Coração de Jesus em virtude do ataque violento infringido aos “direitos divinos e humanos” (Encíclica Miserentíssimus Redemptor, n. 16). Ao Cardeal Basilio Pompili (2/2/1930) escreveu preocupado com os avanços e ataques do ateísmo na Rússia. Na 1ª Radiomensagem de um Papa a todos os povos e criaturas (12/02/1931), expressou novamente a sua solidariedade com os perseguidos pelos “inimigos de Deus e da sociedade humana”, referindo-se aos regimes totalitários que pululavam.
Naquele mesmo ano de 1931, o Sudário de Turim foi exposto por ocasião do matrimônio de Umberto de Sabóia. Na ocasião é que foi fotografado novamente, desta vez por Giusepe Enrie, fotógrafo profissional. Novamente seria exposto em 1933, o Ano Santo Extraordinário por ocasião do XIX Centenário da Redenção, decretado pelo mesmo Pio XI (Bula Quod Nuper). A imagem de Jesus Misericordioso – depois pintada por Kazimirowski, a pedido do Beato Sopocko (1934) – seria exposta pela 1ª vez no encerramento daquele Ano Santo (1935). Surpreende o fato de que o rosto estampado no Sudário corresponde exatamente ao do quadro de Jesus Misericordioso!
“Com aquela revelação, o Senhor Jesus definiu a missão pessoal da Irmã Faustina, que consistia em viver e sofrer pelos outros (…)”, observa o estudioso Pe. Ignacy Rózycki em seu estudo de 1980 que contribuiu para a canonização de Santa Faustina. “Tal revelação” – continua – “deu início ao primeiro dos dois períodos das revelações do Culto: o período das revelações que se sucederam sobre o tema das formas e das promessas relativas ao Culto, que durou até 24 de outubro de 1936, e o período das revelações relacionadas às exigências morais, que durou até o fim das revelações”, em 1938.
Jesus não escolheu o ano de 1931 por acaso. Naquele ano, o pensador inglês Aldous Huxley publicou o livro Admirável Mundo Novo, no qual imagina uma sociedade do futuro sem ética ou religião, marcada pelo individualismo que estava deixando suas marcas negativas na modernidade. Um grande mal-estar se alastrava pelo mundo; naqueles anos 30-31, na América Latina, protestos violentos eram frequentes, levando à derrubada do poder em 11 dos 20 países; o Japão invadia e conquistava a Mandchúria, prelúdio de sua invasão à China; Hitler e Stalin se aproveitavam do caos social para assumirem o poder, tornando-se em seguida dois dos maiores assassinos da história; enfim, “em todos os lugares, as pessoas apelavam para a força”, constata Geoffrey Blainey.
Todavia o Céu resolveu intervir. Humildemente tentou. O próprio Jesus se dignou mais uma vez recordar à humanidade que a solução para os nossos problemas mais fundamentais passa necessariamente pelos caminhos do amor a Deus e ao próximo. No início daquele século outras religiosas haviam sido agraciadas com particulares experiências místicas. A Irmã Benigna Consolata (+1916) chegou a ser chamada pelo próprio Senhor de Secretária da Minha Misericórdia. A Irmã Josefa Menendez (+1923) ouvira de Jesus: Quero me servir de ti como instrumento de minha Misericórdia. Em 1930 a Madre Esperança fundara em Madrid as Servas do Amor Misericordioso.
A escolhida, porém, para uma verdadeira “revolução” da Misericórdia foi Santa Faustina Kowalska. Em pouco tempo aquela imagem estava em todos os continentes, carregada no bolso até mesmo por soldados combatentes, que muitas vezes nem mesmo se davam conta do que estava acontecendo. Há relatos de conversões e milagres por sua intercessão. As palavras têm sua beleza própria, mas para Mussolini, na Itália, “os rifles, as metralhadoras, os navios, os aviões e os canhões são ainda mais belos”. Jesus também nos ensina que as palavras devem ser acompanhadas de ações, mas estas devem se fundamentar no respeito aos direitos de Deus e do próximo, e não em impulsos destrutivos.
“Dize à humanidade sofredora que se aconchegue no Meu misericordioso Coração, e Eu a encherei de paz” (D. 1074).
Quantos têm medo de se aproximar deste “trono da graça” para serem curados de seu ódio, indiferença e toda maldade! Peçamos ao Senhor que repita sobre a humanidade inteira – sobretudo as nações onde reina a injustiça, a guerra, a corrupção – o gesto de bênção que está retratado na imagem revelada a Faustina, a fim de que muitos “filhos pródigos” retornem ao convívio divino, o mesmo gesto de bênção que lhe acompanhou durante a sua partida na Ascensão, e que tanto necessitamos hoje em dia: “Depois, levou-os até Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. E enquanto os abençoava, distanciou-se deles e era elevado ao céu. Eles ficaram prostrados diante dele, e depois voltaram…” (Lc 24,50s).
Fonte: https://misericordia.org.br/22-de-fevereiro/
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